26 de jul. de 2010

O acabamento de outro chão

Segue abaixo trecho de entrevista que Muniz Sodré concedeu a Paulo Cesar Castro.

Sobre midiatização, mas também sobre pesquisa.

A entrevista se chama "Muniz Sodré: 'Midiatização como o acabamento de outro chão' e está disponível, na íntegra, no site do Centro Internacional de Semiótica e Comunicação (Ciseo)

"Em termos teóricos e de objetos estudados, como você vem acompanhando a discussão sobre o conceito de midiatização?
Muniz Sodré: Tenho acompanhado pouco porque estou à frente da Biblioteca Nacional. Mas leio tudo que chega. A professora Raquel Paiva deu uma entrevista importante para a Compós, na qual também foram ouvidos o André Lemos, da Universidade Federal da Bahia, e a Bernadette Lyra, da Universidade Anhembi Morumbi. E o que ela diz? Que acha que a nossa área não gera conhecimento, o que eu achei muito interessante. Ou seja, produz-se muita coisa, muito artigo, veste naquela camisinha de força da Capes, faz as citações, bota embaixo, cita fulano de tal, mas você dialoga com você mesmo. Cita-se livros estrangeiros, mas o diálogo é com você mesmo, ao invés de pegar as pessoas da área. Isso não é uma queixa minha, porque naquela bibliometria que a professora Immacolata fez, eu era uma das pessoas, se não a mais citada, uma das mais citadas; eu, o Arlindo Machado, Jesus Martin Barbero... Então não é um problema que diga respeito a mim. Mas é verdade isso que a Raquel diz. As pessoas não discutem as idéias dos colegas da área. E o que é o conhecimento? O conhecimento é: “alguém A produz um saber, que é observado por B, criticado por C”. Há na produção e circulação de saber numa comunidade que, na área de Exatas, se aplica... Você pode resolver uma equação que está aí há séculos, que ninguém resolveu, você faz todos os cálculos, mas não basta. Se a comunidade científica não reconhecer como verdadeira aquela evolução, você pena. Você não tem certeza, pois a coisa ali é tão abstrata, principalmente em matemática, porque não se reconhece. Assim é com outras áreas das exatas. Mas em Ciências Sociais, as pessoas citam muitos os estrangeiros, mas quase que idéia própria não é muito bemvinda. Mas uma vez eu lhe digo, eu não me queixo muito. Essa minha idéia, esse conceito do bios que está no Antropológica do Espelho, tem muita gente que trabalha com isso agora. A questão do sensível não tanto, mas eu acho que é uma complementação do outro. Mas você não vê crítica, pois é quase uma ofensa você criticar alguém. E eu não sinto isso. Eu gostaria muito de ver alguém criticar mesmo, duramente, dizendo “eu não aceito isso”. Aí você passa a ter um debate... A Compós e a Intercom deveriam ser os lugares para isso, mas não. O que acontece? Você faz burocraticamente o seu texto, o seu paper, lê ali, as pessoas, uma ou outra, fazem uma observação na hora e foi cumprida uma tarefa diante da Capes e do CNPq. A área não produz conhecimento. É como se esse conhecimento não fosse necessário. Então, esses estudos sobre midiatização, eu recebo revistas, livros, estou a par deles, mas lhe digo que não me iluminam muito. Às vezes, há até artigos bastante detalhados de questões locais, mas as citações são burocráticas.

Você acha que o conceito de midiatização atualiza o debate acerca do papel das mídias nas sociedades contemporâneas?
Muniz Sodré: Acho. Foram muitos anos para que esse conceito entrasse. Não sei se você sabe, mas eu sou o introdutor dele aqui. No primeiro dicionário do Aurélio, não sei o atual, a palavra midiatização está lá referida a mim. Não havia, mas também não fui eu que inventei. Eu vi isso do Eliseo Verón, que usava mediatizacion. O que eu introduzi não foi nada de novo, mas a novidade é que eu introduzi aqui. Eu acho que a midiatização é um conceito axial da mídia, que abrange televisão, jornais e internet. São momentos técnicos diferenciados desse fenômeno de articulação das instituições, da vida das pessoas com a mídia. Midiatização é isso, essa articulação com instituições, com tecnologias, com a vida das pessoas. Portanto, você tem aí um objeto teórico, com medium como objeto teórico. Medium não é a televisão, não é a internet, medium é uma forma que interliga o discurso social. Como em Marx, o conceito de mais valia você não encontra em nenhum livro contábil. Mais valia é um conceito teórico, não está no livro de contabilidade capitalista. É um conceito para dar conta da apropriação que o capitalismo faz de uma parte do trabalho, do rendimento do trabalho. Medium é a mesma coisa, é um conceito dessa intervenção, dessa apropriação do discurso anterior que a indústria do jornal, da televisão e, agora, a da eletrônica faz.

Então o conceito de midiatização assume importância no momento em que consideramos que a preponderância dos meios de comunicação chega a um ápice?
Muniz Sodré: Exatamente. A consciência de que eles assumem um solo social, e que esse solo é feito de informação. Quer dizer, tradicionalmente, com relação ao jornal e ao rádio, a informação é uma coisa que partia de rádio, jornal e revista para o público, com conteúdo. E a informação hoje, não; a informação é o próprio território onde você pisa. E isso não é um delírio teórico, porque com a eletrônica, com a internet, com as possibilidades que temos hoje de metaversos, de avatares, de uma realidade virtual por onde os jogos estão se movendo, essa turma está se movendo cada vez mais dentro disso. É claro que ele vai pisar no chão da casa dele, mas pode não ter mais tanta importância pisar no chão da casa dele. Ele está pisando noutro chão. É isso que é o acabamento da midiatização, é o acabamento no sentido de perfeição do sistema. Então, claro que a política é afetada, que a educação é afetada – estou agora interessado na educação –, esses modos de relacionamento são afetados. Mas a política, claramente".

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