28 de fev. de 2010

A Folha de S.Paulo e o suco de laranja

A Folha de S.Paulo está suando para se adequar aos novos tempos.


Vejamos o que diz uma das (são duas) manchetes deste domingo, 28 de fevereiro:

"Tremor de 8,8 graus atinge o Chile".

Extremamente relevante para quem, como você e eu, foi resgatado há pouco do meio do que restou da floresta Amazônica, e que estava, portanto, longe de tudo e de todos.

Sim, porque o RESTO do Brasil e do mundo sabia, desde ontem à noite, pelo menos, que o tal terremoto havia ocorrido; que a situação era séria etc. etc.

Como? Pela tevê, rádio, sites, blogs, twitter etc.

Se considerarmos que esse jornal publica, nessa mesma edição, manchete que concorre, na mesma forma e proporção, com a do terremoto, sou obrigado a perguntar aos que, como você e eu, não estavam perdidos na floresta, por que é que (ainda) assinam/compram um jornal cuja manchete, digamos assim, é velha e saturada?

Por outro lado, um pouco mais adiante, na página A8, editoria Brasil, a matéria de abertura informa:

"Novo projeto deixa Folha mais fácil de ler".

A linha de apoio esclarece:

"Mudanças gráficas estudadas há mais de seis meses estreiam em maio e devem tornar o jornal mais acessível e agradável".

A explicação:

"Diante do caos informativo, reforma será instrumento para alcançar um produto mais sintético na forma e mais analítico no conteúdo".

Concordo: o caminho, para os impressos, parece apontar na direção da análise e da interpretação, além dos elementos de ordem imagética, coisa que as revistas sabem desde há muito.

Mas também para as lições mais elementares do jornalismo.

Qual seja, que jornal serve para informar; e que informação, quando o assunto é jornalismo, requer algum esforço que não apenas a simples constatação do que é óbvio e que está, portanto, posto.

É mais ou menos como o sujeito aquele da crônica que passou a vida inteira tentanto descobrir qual a melhor forma de armazenar suco de laranja, até descobrir que era dentro da própria laranja.

4 comentários:

Willian disse...

Os jornais já sofrem esse problema. Muitos sites também passarão por situação parecida.

A velocidade de informação trouxe algo complexo: você abre os principais portais e vê todos com a mesma notícia, o mesmo conteúdo.

Vale a pena ler a mesma coisa? Creio que não...

Alguns jornais começam a contextualizar a informação. Muitos sites, não muito longe, devem partir para esse caminho.

O que me intriga é alguns portais que começam agora, tem a oportunidade de fazer algo diferente e seguem na base do "Ctrl C + Ctrl V" das agências de notícias.

Mas isso foge um pouco do tópico do post. Em tempo: gostei do artigo.

Pedro Piccoli Garcia disse...

"[...]o caminho, para os impressos, parece apontar na direção da análise e da interpretação, além dos elementos de ordem imagética, coisa que as revistas sabem desde há muito"

Parece claro - e quem tiver alguma dúvida quanto a isso, basta ler o Lourival Sant'Anna.

Mas me surgem duas inquietações.

- análise e interpretação me parecem muito próximas de opinião. Seria o caso, então, de os jornais resgatarem seu caráter essencialmente opinativo de outros momentos da história?

- essas duas "saídas" são sustentáveis em uma lógica diária, hard?

Willian disse...

O interessante, Pedro, é que essa nova lógica do impresso segue uma tendência mundial.

Algo que o NY Times e o Le Monde, por exemplo, sempre fizeram.

Agora, essas suas inquietações, também me deixam intrigado. Principalmente a segunda delas.

Demétrio de Azeredo Soster disse...

Deixem eu meter meu pitaco no debate: creio que sim; acredito que há como se pensar em sustentabilidade em um contexto de produção de natureza interpretativa, ou mesmo analítica. Em especial nas corporações do porte de uma Folha de S.Paulo. Isso evidentemente implicaria, quem sabe, em novos arranjos organizacionais, mas, como bem apontou o William, nada que ainda não tenha sido feito aqui e ali. Sobretudo, penso que o momento é de exercer jornalismo de uma forma bem diferente daquela que estamos fazendo, tipo "no varejo" (há exceções,claro). Ou seja, com um domínio técnico muito grande por parte dos jornalistas principalmente, mas também com investimentos sólidos em formação e, sobretudo, em pessoal e estrutura de trabalho. Se é possíve? Bem, o contrário disso estamos vivenciando nos dias que se seguem. E não me parece nada promissor.