Passei boa parte das mais de duas décadas que trabalhei em redações afirmando, convicto, que vida de jornalista não é fácil.
Basicamente porque jornalista trabalha O TEMPO INTEIRO, esteja de plantão ou não; seja sábado, domingo, feriado ou dia útil, ainda que não saiba bem o que seja um dia "inútil".
Até que me tornei professor de jornalismo, em 2002, ainda durante o mestrado.
Foi quando me dei conta que professor também trabalha o TEMPO INTEIRO, seja sábado, domingo, feriado ou dia, digamos assim, útil.
Como aguentamos o tranco?
Porque temos, no geral, convicção de que o que fazemos é importante de alguma forma, mas também porque, aqui e ali, recebemos sérios indicativos de que vale a pena todo este sacrifício, estejamos em redações ou em salas de aula.
Um destes sinais, endereçado a mim e aos colegas Ângela Felippi, Fabiana Piccinin, Hélio Edges e Veridiana Mello, da Unisc, chegou por e-mail esta semana.
Quem assina é Marcia Muller, ex-aluna da Unisc e agora repórter da Rádio Agudo AM.
Tem a ver com a queda das pontes (foram duas) em Agudo (RS), no mês de janeiro, com as cinco mortes decorrentes da tragédia e com a cobertura jornalística do que houve.
Sobretudo, com a importância da formação quando o assunto é jornalismo.
(Esta foto foi encontrada à beira do Rio Jacuí, dias depois, na máquina do vice-prefeito Beto Boeck, uma das vítimas da tragédia)
O texto:
"Olá professores, amigos, eternos mestres...
Estou lhes escrevendo para dizer meu muito obrigado.
Às vezes, fico pensando nos vários colegas que adoram uma conversa em aula, que adoram matar aula, que não estão muito interessados no conteúdo. Sempre fui quieta e na minha, vocês bem sabem disso, e hoje eu agradeço por ter sido assim. Cada aula é muito importante para nossa carreira.
Vocês devem ter acompanhado a tragédia que aconteceu aqui na minha cidade, Agudo, no dia 5 de janeiro. Quando escolhemos a profissão jornalismo, todos sabemos que não vamos só cobrir boas notícias, as más e as tragédias também acontecem.
Mas eu nunca imaginei que tão rápido, depois de formada, menos de dois meses trabalhando como jornalista, eu iria fazer uma cobertura do tamanho que foi, envolvendo minha cidade e uma pessoa muito querida da minha família que se foi.
Professores, até hoje um dos assuntos diários da nossa emissora, a Rádio Agudo, continua sendo a tragédia da ponte na RSC-287. Nestes dias, seguidamente eu lembro de vocês, de cada um, por todas as aulas, lições.... Lembro das aulas e levo até o dia-a-dia. Muito obrigada, vocês nos ensinaram um jornalismo de qualidade e eu sou muito grata por isso.
No dia da tragédia, a grande emissora RBS, com suas mídias, sites e Rádio Gaúcha, divulgou duas mentiras: sete mortes e que o vice-prefeito havia sido achado com vida.
Professores, jornalistas do maior veículo de comunicação do nosso estado divulgaram duas mentiras!
Isso doeu, em nós, agudenses, profundamente.
A tragédia da ponte acabou sendo mais uma aula de jornalismo para mim. Uma aula muito prática.
Como falei anteriormente, aconteceu na minha cidade, envolvendo pessoas conhecidas e uma ligada diretamente com minha família, amigo intimo da família, que foi o vice-prefeito. Foram 11 dias de intenso trabalho, até encontrar os cincos corpos.
Eu e meus colegas dávamos boletins diários para rádios de todo o estado e Brasil. Nunca me imaginei fazendo isso. Com certeza foi uma grande experiência, apesar da tragédia, que levarei para sempre.
Ângela, por vezes até fiz o papel de assessora de imprensa da família do vice-prefeito, assim que os jornalistas souberam da forte ligação que eu tenho com a família.
Nós, da Rádio Agudo, ajudamos a TV Record, por exemplo, e o jornal Zero Hora, a produzir reportagens.
Vocês já devem ter feito a cobertura de uma grande tragédia, é muito difícil ainda mais quando envolve grandes amigos.
Vou deixar o endereço do meu blog, ali postei sobre os dias da tragédia e da atual situação. http://jornalistamarciamuller.blogspot.com
Fico por aqui mais uma vez agradecendo a cada aula e a cada um de vocês.
Um grande abraço."
19 de fev. de 2010
E assim nos tornamos jornalistas
Postado por
Demétrio de Azeredo Soster
às
08:23
Marcadores:
depoimentos,
ensino de jornalismo,
formação
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2 comentários:
Gostei muito da introdução. E como bem falastes, não temos hora e nem dia para trabalhar. Mas isto tudo é muito gratificante, com certeza. Obrigada por publicar meu relato.
é professor, não é fácil, mas é um sacerdócio. achei muito bacana o e-mail e o reconhecimento da ex-aluna, agora tua colega. eu tbm já fiz isso com alguns dos meus mestres queridos. os bons professores ficam pra sempre na vida da gente.
adorei o título... "e assim nos tornamos jornalistas"...
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