Coluna do ombudsman da Folha de São Paulo deste domingo ilustra aquele que, aos meus olhos, ilustra o atual momento evolutivo do jornalismo. Ou seja, um tempo em que o sistema midiático-comunicacional, amalgamado em rede pela web, regula com cada vez mais freqüência os demais sistemas, sociais ou não, para além das perspectivas de emissão/recepção a que estávamos acostumandos, viabilizando, assim, suas próprias operações.
No caso citado, os jornais impressos norte-americanos interferem com cada vez mais freqüência, em suas operações, no sistema político. Com isso, reconfiguram sua própria forma e estabelecem novos critérios de relacionamento com seus leitores, viabilizando-se. Isso é possível, entre outros, porque o dispositivo jornal-impresso, nesta circunstância, deixar de lado a centralidade que ocupou historicamente e passa a servir de nó, ou conexão, de um sistema mais amplo, que chamo de midiático-comunicacional, cujas operações são de natureza auto-referencial, porque sistêmicas.
Este assunto será tratado no livro que eu e Fernando Firmino estamos organizando, o Metamorfoses jornalísticas 2: a reconfiguração da forma (Edunisc, 2009), neste momento no prelo.
Para quem não tem acesso à Folha, reproduzo abaixo a coluna de Carlos Eduardo Lins da Silva, que é o ombudsman da Folha desde 24 de abril de 2008.
"OS JORNAIS americanos, por estarem enfrentando crise sem precedentes, concentram esforços para criar instrumentos para reforçar seus vínculos com os leitores e sua relevância junto à sociedade.
O "New York Times" recebeu na semana passada o prêmio Knight-Batten, que reconhece inovações no jornalismo, por suas novas ferramentas capazes de aumentar o controle social sobre as autoridades.
Uma delas se chama "Represent". Com ela, o leitor de Nova York é capaz de acompanhar interativamente as atividades de seus representantes nos diversos níveis de governo.
O jornal coloca à disposição numa espécie de "facebook" informações factuais e reportagens sobre cada político, seus votos, discursos, e permite ao leitor escrever comentários e mensagens.
Durante a eleição de 2008, o "Times" colocou no seu site a íntegra em vídeo dos principais discursos e dos debates entre Barack Obama e John McCain, com a sua transcrição ao lado, o que permitia fazer buscas no texto ou remeter-se a partes específicas do maior interesse de cada pessoa, o que não é possível para quem está assistindo apenas ao vídeo.
Coisa parecida é o "Document Reader", por meio do qual o jornal posta documentos públicos de qualquer tamanho e permite ao leitor procurar trechos que mais lhe interessem, assinalar passagens, fazer comentários à margem.
O "St. Petersburg Times" tem o "Polifact", que apura a veracidade de promessas ou declarações de candidatos a cargos públicos ou autoridades no exercício do mandado e coloca o resultado de sua apuração à disposição da audiência.
Parceiro constante de jornais que se aventuram nesses experimentos é o site Propublica (http://www.propublica.org), sem fins lucrativos, que se proclama independente e dedicado a produzir "matérias importantes com força moral" resultantes de trabalho investigativo autônomo. Ele foi estabelecido em 2007, com dinheiro da Fundação Sandler, dos banqueiros Herbert e Marion Sandler, e é dirigida por jornalistas que deixaram o "Wall Street Journal".
Estes são alguns exemplos de como a internet pode contribuir muito positivamente para melhorar a qualidade do jornalismo e das relações entre a sociedade e seus governantes.
Há quem enxergue na internet um inimigo do jornalismo. É um erro conceitual e estratégico. A internet é apenas um meio, como o rádio, a TV, o papel, em que se pode fazer jornalismo.
O jornalismo americano está em crise de modelagem de negócio, não de público. Nunca os grandes jornais diários tiveram tantos leitores quanto agora, graças à internet. Mas eles ainda não conseguiram achar a fórmula que transforme essa leitura em receita.
Uma das empresas jornalísticas mais lucrativas no momento nos EUA é o "Congressional Quarterly" (CQ), que se dedica apenas à cobertura das atividades do Congresso dos EUA. Ele acaba de ser vendido pelo "St. Petersburg Times" para um concorrente como forma de salvar o jornal diário de seus problemas.
O sucesso do CQ e das iniciativas acima mencionadas mostram que uma ligação orgânica entre jornalismo e acompanhamento de políticas públicas pode ser um caminho promissor".
2 de ago. de 2009
Sistema midiático regula política nos EUA
Postado por
Demétrio de Azeredo Soster
às
12:26
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