O pior tipo de livro é aquele que provoca culpa, antes, durante e depois de ter sido lido.
A culpa anterior fica por conta do fato de, apesar de o livro ser importante; reconhecidamente relevante, constar em todas as listas necessárias a uma mínima compreensão daquele assunto, você ter postergado, ano após ano, sua leitura.
A culpa durante equivale à dor que (os homens, principalmente) se sente quando se arranca as cutículas e, com elas, um naco de dedo, haja ou não sangue. Tipo assim: "Cara, como você pôde NÃO TER LIDO ESSE LIVRO AINDA!?".
E, pois.
A culpa categoria depois é mais sutil, difíicil de se perceber, ainda que lá.
É fácil detectá-la: imediatamente após à leitura (às vezes durante) o culpado em questão revira toda a biblioteca em busca dos livros daquele autor; retoma anotações envelhecidas, puxa pela memória para lembrar o que, com ele, aprendeu. É como se, subitamente, AQUELE autor fosse O CARA (e geralmente o é); como se viver, sem ele, fosse algo da ordem do impossível dali por diante.
E é por isso que afirmo, peremptoriamente, que Honra teu pai (Cia das Letras, 2011), de Gay Talese, é o pior tipo de livro que existe.
Com ele, que é tido como o primeiro livro de não-ficção a contar a história de uma família de mafiosos dos Estados Unidos (os Bonanno), somos (eu, ao menos) jogados sem dó nem piedade diante de pelos menos três formas de culpa, e tantas mais quanto houver.
No site da editora tem-se acesso ao primeiro capítulo em PDF.
Mas eu acho mesmo é que você deveria ler o texto o quando antes, por pelo menos três motívos:
1 é uma aula de jornalismo, à medida que faz emergir, da realidade posta (a Máfia), nuanças até então desconhecidas e, não raro, fantasiadas ao extremo pela ficção. O tédio que é ser mafioso, por exemplo.
2 Não é uma aula qualquer: para além da estilística, e da riqueza vocabular próprias da narrativa literária, tem-se, em Honra teu pai, uma profunda investigação jornalística, o que sugere que conteúdo de qualidade, em jornalismo, tem a ver, inclusive, com muito suor, à revelia de ele ser publicado em livro, jornal, revista etc.
3 Para ao menos minimizar a culpa de AINDA não ter lido Honra teu pai, mesmo sabendo que, a esta, se sucederão pelo menos duas outras culpas.
20 de nov. de 2011
O pior tipo de livro que existe
Postado por
Demétrio de Azeredo Soster
às
20:53
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